O Escotismo abre mais que portas
Escoteiros adoram acampar! E um acampamento envolve mais que barracas e sacos de dormir, afinal de contas ser escoteiro não te livra de toda sua vida e afazeres fora do movimento; quanto mais longo e mais longe mais legal é o acampamento, e maior é também a demanda por planejamento e mobilização. Desde que anunciado, em 2013, quis participar do Moot Mundial Escoteiro – Change na Islândia. Um moot é um acampamento com aventuras e atividades voltadas para pioneiros e jovens dos 18 aos 25 anos, desta vez unindo jovens do mundo todo na terra do Fogo e do Gelo, com a proposta de ser uma experiência de mudança na perspectiva de mundo dos participantes; nada mais atrativo para a juventude inquieta que quer mudar o mundo. Desde muito me preparo para o Moot, trabalhando e juntando dinheiro para a viagem que não se limitaria ao Moot e a Islândia, mas sim com a intenção de estender a experiência transformadora do Moot para outros países que marcaram a história da humanidade, idéia que me atrai por entender que algumas experiências tem o poder de nos fazer enxergar além dos nossos óculos, além da forma que estamos acostumados a entender o mundo. Tiram-nos da nossa bolha, da nossa zona de conforto e põe o aprendizado noutro nível de experimento. Visitei além da Islândia, que passou por um processo de reconstrução popular do seu governo; a Ucrânia, país que viveu uma experiência igualmente importante há alguns anos e Pripyat que ainda hoje reúne esforços para conter a radiação da Usina de Chornoby;, a Russia que celebra o centenário da Revolução Bolchevique; a Polônia que foi apagada do mapa no período da Segunda Guerra, além de preservar a memória do holocausto em Auschwitz e Birkenau; além de Portugal, Espanha, França, Itália e Reino Unido. Experiências incríveis que não se precificam, o valor de aprender e conhecer de perto através de filhos, netos e pessoas que viveram alguns dos principais eventos da história é ter testemunhas dos livros, é ter acesso à emoção e ao peso das narrativas, daquilo que do outro lado do oceano aprendemos sentados nas carteiras das escolas. Sei que é um privilégio, mas foi um gosto que eu queria muito ter, inspirado pelo aprender fazendo que tanto ouvimos no escotismo.
O Moot foi incrível. Eu sempre tive sorte com as equipes que faço parte em acampamentos e eventos escoteiros, mas sem duvidas fui surpreendido desta vez! Era o único brasileiro na minha patrulha, e na tribo só tinha outra brasileira, de São Paulo, a quem encontrava quando a tribo se reunia: para refeições e para dormir. Falar português se limitava às refeições, com ela ou com os portugueses que faziam parte da tribo, muito “fixes” aliás! É como eles falam se acham algo legal. Nunca achei que fosse conhecer tanta gente tão diferente reunida! Nunca achei que conheceria alguém das Ilhas Maurício, e que povo sensacional! É incrível ver como pessoas de culturas diferentes, realidades sociais distintas, crenças, descrenças e idéias diferentes, às vezes inversas, compartilham dos mesmos valores e da mesma promessa. A promessa e a lei escoteira era algo que unia os cinco mil participantes do Moot, independente de qualquer outra coisa, concordávamos que um mundo melhor é possível e que depende de nós! Valeu cada minuto gasto em planejamento e cada centavo salvo. É como se estivesse noutro planeta, onde a diversidade estava a todos os lados, e todo mundo era amigo e partilhava de ótimos momentos e experiências, aprendendo uns com os outros, tendo as mesmas preocupações e objetivos. Um mundo perfeito por 9 dias! Mas se for fazer espaguete, respeite a receita original, os italianos agradecem. Tudo isso com as paisagens inacreditáveis da Islândia. Que país! Que beleza! Para além de tudo ainda tive a oportunidade de representar o Brasil no Fórum Jovem do Moot, onde junto com jovens do mundo todo, em várias frentes decidimos estratégias de como o escotismo pode atuar em prol da sociedade e dos novos objetivos da Agenda 2030 das Nações Unidas. Me senti realizado, são oportunidades que o escotismo oferece que estão muito além das expectativas que temos quando visitamos o nosso grupo pela primeira vez. Ainda que eu acredite que é no grupo escoteiro que vivemos o escotismo de verdade, e onde temos a oportunidade de crescer com a nossa comunidade local. Um acampamento é um acampamento, em Macaé ou no Japão! O mesmo sol nos indica as horas, e igualmente nos guiamos pelas estrelas em qualquer parte do mundo. (Na Islândia é complicado, no verão o sol nasce as 3h e se põe à 0h, mas não vamos tirar a beleza da frase anterior.) Acho que o mais legal da viagem não está nela em si. O que mais me deixou feliz foi um fato que se eu não fosse escoteiro, não aconteceria: Com exceção de duas cidades, eu não paguei acomodação na viagem toda. Foi fantástico ser recebido por escoteiros nos países que eu visitei. Me receberam como se recebe um velho amigo, ótimo papo, sinta-se em casa. A geladeira é sua! O fato de eu ser estrangeiro e de que eles nunca me viram antes na vida era mero detalhe. Na Polônia eu fui à Cracóvia; por acaso eu seguia um escoteiro no Instagram, e ele me ofereceu a casa, depois de ver um post num grupo polonês do Facebook! Conhecer a cidade com um morador é diferente, você conhece detalhes e costumes que um roteiro turístico não contemplam. E quando se é escoteiro, tem o extra de conhecer como é o escotismo e como são as atividades ali! E mais canções pra trazer de volta! Eu sei qual é o point da Cracóvia, da comida e dos costumes locais graças a isso! Outro caso legal foi de uns amigos que eu conheci também no Instagram, dessa vez da Itália: uma hashtag fez com que houvesse um comentário numa foto que foi o começo de uma amizade online de 4 anos! Eles já inclusive ajudaram o nosso clã numa pré-tarefa do Grande Jogo (atividade anual do Rio de Janeiro, estilo gincana) que pedia um vídeo de escoteiros estrangeiros. Eu não podia deixar de visitar a cidade deles, a pequena Venafro na região de Molise, a aproximadamente três horas de Roma. E foi uma das melhores coisas da viagem! Que outra oportunidade eu teria de conhecer o interior da Itália assim?! Com direito a volta de Vespa e de FIAT 500, dos antigões! Em todas as cidades, foi incrível conhecer escoteiros locais e ser tão bem recebido. Em Kiev me buscaram até no aeroporto, me emprestaram o chip do celular e tudo! Em Paris fiquei também na casa de um escoteiro, e pude conhecer pessoalmente uma amiga escoteira que saiu do leste da França, Estrasburgo só pra nos ver! Foi sensacional ver que essas pessoas realmente existem e o grande gesto que fizeram. A minha gratidão por cada um deles não tem tamanho! Eu realmente espero os ver de novo. A conexão com essas pessoas é quase automática, você não precisa conhecer ou ter muitas preocupações além das diferenças culturais que possam haver. O escotismo transgride tudo que poderia criar alguma barreira entre eles. É um elo que me fez ter lares em cada um destes lugares. Esta viagem serviu para grande aprendizado e para reafirmar algumas coisas. O meu artigo da lei escoteira é definitivamente o quarto: “O escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros”. E a minha virtude pioneira também: Fraternidade. O escotismo é uma grande fraternidade que desconhece fronteiras. Faz do mundo um acampamento, onde as pessoas estão dispostas a melhorar e a dar o seu melhor! Onde o outro lado do mundo é a barraca ali do lado e pra entrar basta um sorriso. É a experiência que prova que as nossas diferenças são pequenas e que a humanidade é o único laço necessário (e eu diria que precisamos de menos que isso, tratamos nossos animais de estimação melhor que muitos semelhantes) para tornar-nos família! Obrigado ao movimento que abre portas, portões, porteiras, portais e janelas por possibilitar todas essas vivências incríveis e inesquecíveis que nos motivam a continuar acreditando e trabalhando para construir o mundo que queremos, como um grande acampamento, escoteiros adoram acampar.